Tenho andado a ler muito e a investigar sobre investimentos.
Há um entendimento comum que o investimento nos dá imenso retorno a longo prazo. Para a reforma.
E isso é tudo muito giro mas se virmos as coisas de uma perspectiva realista a verdade é que as idades da reforma estão a aumentar. E dificilmente isto é algo que vá mudar. No limite aumenta, não diminui.
Portanto neste momento a idade da reforma em Portugal é de 66 anos e 6 meses. Se mantivermos este racional (aumento de 1 mês na idade da reforma por ano) quando chegar a minha vez a idade da reforma será 69 anos e 10 meses (são quase 70).
O que é que eu faço com 200K (supondo) com 70 anos? Vou viajar? De andarilho? Vou comprar um monte no Alentejo do qual não posso tratar? Vou fazer o quê com esse dinheiro? Deixar à descendência?
Não o vou gozar para que é que o estive a poupar?
Não me entendam mal, acho que a poupança é de facto importante. Ter segurança para me despedir de um trabalho que não gosto e poder ainda ter algum tipo de rendimento. Ou poder mandar tudo às urtigas e mudar de país. Ou haver alguma urgência médica que requira (requeira?) valores avultados.
É importante ter poupanças. Mas também é importante viver enquanto podemos.
"Ah mas ninguém está a dizer para deixares de fazer as coisas que gostas para conseguires poupar!"
A mim não, mas ao português comum que recebe o ordenado minimo se calhar estão.
Incentivar as pessoas a poupar é muito giro e bem intencionado, mas digam à minha esteticista que dispõe de dois ordenados mínimos, tem uma filha em idade escolar (e todos sabemos os custos que isso acarreta), uma renda para pagar porque não lhe dão um empréstimo bancário (que faria com que os encargos com a habitação fossem consideravelmente mais baixos) que tem que colocar 30% dos seus rendimentos de parte para poupar.
Vai chegar uma altura em que ela vai ter que escolher entre comer ou comprar roupa para filha que a antiga já não lhe serve e colocar dinheiro no banco para uma reforma que ela não vai poder aproveitar verdadeiramente.
Parece-me a mim que estas conversas de poupança e investimento estão feitas para a burguesia (guilty here!) que consegue auferir salários razoáveis e ter progressão na carreira, que é jovem, não tem filhos e provavelmente mora com respectivos namoridos.
Provavelmente estou a ser exagerada. Se calhar há formas de quem recebe menos o conseguir fazer. Mas isso nunca é falado.
Há tempos segui e inscrevi-me numa comunidade de finanças para mulheres. E estava a ser interessante até começar a ouvir como forma de ter independência financeira repetidamente "O melhor é teres o teu próprio negócio". Vezes sem conta.
Às tantas começei a pensar "E se a Maria não quiser ter um negócio próprio? E se ela não tiver as competências para isso?".
Ter um negócio próprio pode ser muito vantajoso: definimos os nosso próprios horários, fazemos as nossas regras, não temos chefes a buzinarem-nos aos ouvidos sobre aquele relatório que ainda não entregámos. Mas também não temos ninguém que trate das burocracias da Segurança Social ou das Finaças por nós, não temos ninguém que assegure o trabalho se apanharmos mononucleose ou se o filho tiver com varicela e acima de tudo, tanto podemos receber 100€ como 100 000€.
E honestamente por muito que eu queira ter o meu próprio negócio (que quero - working on it) também percebo a atractividade de ter um emprego por conta de outrem. Então se formos efectivos melhor ainda! Temos aquele valor seguro ao final do mês, podemos sempre fazer mute ao chefe chato (embora não recomende que eu fiz isso e dei-me mal - a menos que sejam muito bons no que fazem e se tornem semi-indespensáveis) e as burocracias não são problema nosso. Para além do seguro de saúde (para os hipocondriacos como eu, ter seguro de saúde pela empresa é um sonho tornado realidade)
Isto tudo para dizer o quê? Investimentos e independência financeira são importantes e a poupança é extremamente importante. Mas também é importante que os oradores e intelectuais deste tópicos tenham em atenção que acabam por meter na cabeça das pessoas sonhos que é muito complicado elas conseguirem concretizar. E a verdade é que até é possível que "as classes mais baixas" (odeio esta expresão mas não encontro outra melhor) consigam criar uma poupança e definir objectivos de investimento mas a acontecer isso tem de ser feito no incio da vida activa/carreira. E isso passa muito pela literacia financeira. Por ensinar às crianças, aos jovens a importância da poupança e do investimento.
Falo por mim, não me lembro de ter aprendido nada sobre poupança e investimento na primária ou no básico. Nem sequer no secundário. E sou de Economia. Sempre fomos levados a crer que o investimento era para quem tinha dinheiro. E o Zé Povinho nunca lá chegaria...